sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Natal incendiado


A história que compartilho com vocês hoje aconteceu a muito tempo atrás. Na verdade o meu nascimento ainda não tinha acontecido e minha alma ainda não fazia parte desse perverso mundo sujo. Minha avó costumava me contar essa história antes de me colocar para dormir, por isso sei contá-la tão bem e com tantos detalhes. Eu cresci ouvindo essa trágica e atormentadora história que aconteceu com a minha avó quando ela era criança. Agora, vou compartilhar a dor que ela sentiu com vocês, leitores...

Era natal. Todas as pessoas da família de minha avó estavam reunidas para celebrar essa data maravilhosa. Minha avó era uma simples e ingênua garotinha de 10 anos, que esperava ansiosamente pela chegada do papai Noel, e automaticamente, pela chegada de seu presente. A ceia de natal estava em cima da mesa. Guloseimas para todos os gostos. Minha avó dizia que era tudo que uma garotinha de 10 anos desejava. Doces e salgados de todos os tipos A família sempre foi muito rica, e os natais sempre tinham fartura. A árvore de natal estava decorada com luzes de todas as cores e estrelinhas de todos os tamanhos, a enorme casa dos Johnson´s estava coberta de enfeites luminosos que chegavam a emocionar! Todas aquelas cores, contrastando com as cores mortas do resto da vizinhança. Parecia até que, ao chegar perto da grande casa iluminada, seus sonhos se tornavam realidade e o mundo deixava de ser tão mórbido e escuro. Era muita luz, muita cor, muita alegria ( E é interessante como a maioria dos Johnson´s associava felicidade às cores vivas e iluminadas. Talvez isso ocorresse devido a frieza de seus corações, que precisavam de algo para apoiar e dizer: isso é felicidade! Eu não a tenho, mas a produzo.)

Em geral todos estavam felizes, aguardavam a chegada do bom velhinho com imensos sorrisos estampados na cara. Todo mundo estava esperando que o papai Noel chegasse pela chaminé trazendo ainda mais felicidade e vários presentes. Mas o problema é que o tio Augusto Johnson, que se vestia de papai Noel todos os anos, tinha outros planos para aquela importante noite. Ele, há alguns meses atrás, havia pedido um empréstimo para o pai de minha avó, e por Augusto não ter pago o empréstimo, o pai de minha avó teve coragem de pegar todos os seus bens, deixando Augusto apenas com um pequeno apartamento mal acabado. Augusto nunca superou isso, e por alimentar durante todos esses meses seu sentimento de frieza e vingança, ele havia resolvido se vingar brutalmente da família toda. E qual ocasião melhor para isso do que a noite de natal ?

Augusto sempre foi um homem fracassado. A família, apesar de rica, nunca o ajudou muito. O pai de minha avó, Eric Johnson, sempre o tratou como um mendigo que estava na família para sujar a reputação de todas as gerações Johnson. Ele o desprezava e sempre desejava que, um dia, Augusto simplesmente pegasse suas coisas e sumisse daquela cidade. O empréstimo que Eric havia dado para Augusto foi o único ato de bondade que Ele realizou em toda a sua vida, e mesmo assim, não foi tão “bondoso” assim...

Bem, todos estavam esperando a chegada do tio Aug...quer dizer, do papai Noel. Minha avó estava contando os minutos para ver o bom velhinho, o que ela não sabia era que seu tio estava afim de estragar tudo. Quando as luzes se apagaram e a música de natal começou a tocar, todos os olhinhos brilhantes dos Johnson´s se voltaram para a chaminé. A espera era única, todo mundo naquela imensa casa feliz estava esperando por esse momento. A escuridão da casa durante aqueles segundos fazia com que o suspense tornava-se algo predominante. A felicidade e o medo pairavam juntos sobre as almas de todos eles. O papai Noel viria, todos sabiam disso, mas por algum motivo as pessoas naquela casa tinham medo do que podia acontecer. O pessimismo imperava naquela família.

Apesar de parecer uma família feliz, só o que tinham era amargura e pessimismo. Seus corações estavam cheios de tristeza e maldade. Esperavam o pior acontecer a qualquer momento. E o pior aconteceu...Em meio a toda aquela situação surgiu uma figura negra oculta pela escuridão da terrível e enorme casa dos Johnson´s. Mas não era o papai Noel, era algo mais! – Minha avó não conseguiu descrever com perfeição aquela coisa, pois as luzes estavam apagadas e ninguém conseguia ver nada! Tudo que minha avó se recordava era que, de dentro da criatura, saio fogo. E o fogo queimou toda a casa. A linda árvore de natal agora contava com um elemento extra, o fogo. Um tumulto desesperado em toda a casa tomou conta daquela noite feliz. Cada um preocupou-se com seu próprio umbigo e frisou sua fuga individual da casa incendiada. Ninguém ajudou ninguém. A última coisa que minha avó se lembrava era de ver, com seus próprios olhos assustados, a morte de seu pai, que morreu incendiado junto ao cofre de sua casa. Sua morte aconteceu pelo simples fato de ele resolver voltar, quando já estava lá fora, para salvar seu dinheiro. O sonho de natal dos Johnson´s havia acabado e junto com ele a esperança da felicidade.

O fogo queimou toda a casa. Não sobrou nada da imensa fortuna da família. Tio Augusto nunca foi encontrado, mas ele enviou uma carta esclarecendo toda a situação e desejando um feliz natal.

A Velha


No ano em que eu comecei a fazer a minha faculdade de cinema eu precisei me mudar para uma cidade distante da casa de meus pais. Eu tive que aprender a me virar sozinho e isso, caros amigos, não foi fácil. Sorte minha que consegui alugar um pequeno apartamento em um certo edifício no centro da cidade. Era um prédio velho e mal acabado, era bem visível que as pessoas ali viviam em situações muito precárias.

O muro estava quase completamente coberto por mofo e algumas das pontas de lanças do portão estavam danificadas. Havia também alguns vasos de flores que davam uma aparência mais serena e arborizada ao local, mas nada que mudasse muito a primeira impressão que se tinha ao se deparar com aquele pequeno prédio de quatro andares que mais parecia uma casa mal assombrada. Eu não costumo reparar nos detalhes dos lugares por onde passo, mas é impossível deixar de citar algumas coisas que vi no exterior daquele edifício. Pneus jogados no chão e tapetes rasgados, pó e poeira por toda a parte, cacos de vidro espalhados pelo chão e o que mais me chamou atenção em tudo aquilo, uma cadeira de rodas. Uma cadeira de rodas nova e brilhante, de alguma forma aquele objeto não fazia parte do cenário onde eu estava. Era muito novo para aquele edifício. Era como se a cadeira de rodas pertencesse à um mundo e o edifício pertencesse à outro e, de alguma forma, os dois mundos se uniram naquele canto de parede transformando aquela visão em uma sensação da qual eu nunca esqueci. Olhar para aquela cadeira de rodas me fazia mal, me trazia um sentimento ruim, um mal estar. De alguma forma aquela cadeira de rodas estava se movimentando, talvez apenas em minha imaginação fértil e excessivamente criativa, mas de alguma forma aquela cadeira de rodas se movimentava sozinha. Não só se movimentava, mas gemia. Sim! A cadeira de rodas gemia, e era um gemido assustador, igual aos gemidos que são ouvidos durante a noite nos hospitais. Horrível.
Meu quarto era o 8. Haviam dois apartamentos para cada andar, logo, meu quarto ficava no último andar vista para os fundos do prédio. Não era muito aconchegante mas eu não tinha escolha. Tinha que ficar ali pelo menos até eu encontrar algo melhor ou desistir de levar pra frente meu objetivo de vida de me tornar um cineasta formado. O quarto era o lugar mais confortável, tinha pouca luz e as janelas eram de madeira. Lugar perfeito para ter boas e longas noites de sono.

Mas eu estava enganado, caros amigos, eu estava enganado! Logo na minha primeira noite de sono os “fatos” começaram a acontecer, e esses “fatos” dos quais logo vocês saberão a descrição, foram fundamentais para que eu me apavorasse por completo a ponto de desejar a morte! Eu não conseguia agüentar por muito tempo. Aquilo era tortura para os meus ouvidos! Aqueles sons aterrorizantes que vinham do apartamento de baixo eram simplesmente intrigantes - Tenho certeza de que não vou conseguir descreve-los à vocês, mas vou fazer o máximo que eu posso.
Ruídos de pequenos e rápidos instrumentos atravessando o teto do apartamento de baixo e indo em direção a minha cama. A sensação que eu tinha era que inúmeras mini-furadoras estavam perfurando o teto e logo perfurariam a minha pessoa se eu não saísse dali depressa! Aquele barulho ensurdecedor era o suficiente para que eu fosse à loucura. Não demorou muito para eu perceber que, mesmo que quisesse, não podia sair da cama. A cama estava me prendendo a ela e eu estava completamente imóvel. Meus músculos estavam atrofiados e eu me sentia velho, me sentia velho demais para me levantar da cama e andar até a porta. Eu não tinha forças para gritar e sentia como se minha garganta tivesse sido arrancada. A dor era insuportável e eu me lembro bem de olhar para o teto e ver que o teto estava desabando gradativamente em direção a mim. A única coisa que eu podia fazer em relação a tudo isso era fechar os olhos. Os meus olhos eram as únicas partes do meu corpo que eu ainda tinha algum controle. Foi o que fiz, fechei meus olhos e esperei ansiosamente para que tudo aquilo acabasse depressa e que o dia seguinte chegasse logo.

O sol nasceu e eu estava novinho em folha. O teto, como esperado, ainda estava lá. E o chão não havia sido perfurado. Teria eu sonhado com tudo aquilo ? Mas parecia tão real! Todos aqueles sentimentos agonizantes e desesperadores, todas aquelas dores malditas, todos aqueles sons ensurdecedores e apavorantes! Teria eu sonhado com tudo aquilo ? A primeira providência que tomei naquela mesma manhã foi ir até o apartamento de baixo tirar tudo isso a limpo. Eu queria saber quem morava naquele lugar e ter certeza de que tudo aquilo que havia passado na noite anterior era um delírio causado pela distancia em que eu estava da casa de meus pais, ou ter certeza de que havia sido real.

Bati na porta do apartamento e quem me atendeu foi uma velha. Uma velha que aparentava ter uns oitenta e dois anos de idade. Ela apresentava um grande número de rugas e seus cabelos, longos e brancos, estavam completamente rebeldes para cima. Sua aparência lembrava a aparência de uma árvore após a primavera, seus longos galhos tortos para cima formavam exatamente o mesmo formato de seu penteado. Seus olhos eram quase completamente brancos, salvo uma pequena bolinha negra bem no meio deles. Ela usava uma camisola preta e chinelos brancos. Suas mãos eram trêmulas e em um de seus dedos havia um anel de prata estranhamente grande. Sua respiração era ofegante e causava arrepios, ela praticamente respirava cinco vezes mais intensamente do que eu. Era uma respiração profunda que parecia fazer um esforço tremendo para jogar ar em seus velhos e esgotados pulmões. Não demorou muito para ela me chamar para entrar em seu apartamento, e eu não demorei muito para aceitar. Eu queria saber o que havia lá dentro e essa seria uma grande oportunidade. A velha, apesar da aparência me pareceu simpática, tratou de preparar um café enquanto eu procurava por pistas em seu apartamento.
- Você gosta com muito ou pouco açúcar meu jovem ? – Disse aos berros silenciosos da cozinha.
- Não se preocupe com isso senhora, gosto de qualquer jeito. – Disse eu aproveitando que estava sozinho e procurando por alguma coisa que me levasse a solução do mistério dos barulhos da noite anterior. – Mas se a senhora quiser colocar muito açúcar eu prefiro. – Disse eu tentando atrasar a velha para que eu pudesse ficar mais tempo sozinho naquela sala solitária. Mas por mais que eu procurasse, aquela sala nunca me diria uma palavra se quer. Era uma sala normal, com uma estante, um sofá e uma mesa com bordados em cima. Nada de anormal havia naquela sala, era exatamente igual a qualquer outra sala de um idoso na idade em que ela se encontrava. Bordados e tv, as duas diversões que atraiam a terceira idade. Estavam lá, as duas. E nada de suspeito encontrei naquele apartamento.

Tomei o café e troquei algumas palavras com a velha sobre a situações precária do prédio. Ela me disse que o antigo dono perdeu o prédio em um jogo e desde então a situação dos moradores só vem piorando cada vez mais. Contei à ela o motivo pelo qual eu estava ali e disse que eu não ficaria por muito tempo, ela chegou até a me sugerir um outro prédio que ficava no quarteirão de cima. Muito simpática a senhora.
Cheguei da faculdade naquele dia ás nove horas da noite. O prédio estava completamente em silêncio, não podia se ouvir nem um ruído se quer. Todas as luzes estavam apagadas exceto a luz que iluminava o corredor que ligava o portão até a porta de entrada. Tratei de apressar meus passos enquanto eu cruzava aquele caminho escuro e sombrio, não estava afim de ser assustado por nenhum gato ou rato que vivia ali sem o meu conhecimento. Eu só queria chegar até a porta de entrada, e quando eu estava quase chegando...uma sensação tomou conta de todo o meu corpo. Eu não conseguia andar mais para frente porque tinha certeza absoluta de que estava sendo observado. Virei minha visão para o local onde eu desconfiava que estavam me observando, sim, era o cantinho escuro onde ficava a cadeira de rodas que eu havia visto no dia anterior. Agora, a cadeira de rodas não estava mais ali, e a cena que eu presenciava era a coisa mais assustadora que eu já tinha visto em toda a minha vida. Meus olhos se fixaram naquela horrorosa visão, minhas pernas ficaram trêmulas, um frio insuportável subiu pela minha coluna e foi estourar o seu clímax em minha nuca. Meus lábios estavam secos, minha pele estava pálida. Aquela visão tomou por completo todos os meus pensamentos. Tentar descrever tal coisa com exatidão é impossível, pois nem eu sei até onde na minha memória aquilo era verdade e desde qual ponto a minha imaginação agiu.

O que eu me lembro bem é de ter visto a velha com o corpo virado para a parede, olhando bem de perto para os tijolos, com as pernas curvadas para trás fazendo um movimento que nem os meus ossos eram capazes de fazer. A camisola preta não deixava com que eu soubesse se a velha estava de costas ou de frente, pois a camisola era igual dos dois lados. O sangue escorria pelo pescoço da velha e ia até ao chão, formando uma poça enorme de sangue em volta dela. Eu não sabia se a velha estava de fato morta, pois ela estava de pé sem se apoiar em lugar algum! Mas como pode um ser humano curvar todo o corpo para trás sem quebrar nem um osso se quer e se permanecer de pé durante tanto tempo ? De repente algo de mais surpreendente aconteceu. A velha, num piscar de olhos, foi sugada pela parede em um movimento quase instantâneo. A brutalidade com que ela foi engolida pela parede fez com que ela quebrasse todos os seus ossos e que os sons horríveis de seus ossos quebrando se propagassem até meus ouvidos, causando um arrepio indescritivelmente horríveis. Tratei de olhar os tijolos para ver se eles haviam sido danificados após o impacto da velha com a parede, e por incrível que pareça, eles estavam intactos.

Naquela noite eu não consegui dormir, pensava o tempo todo nos fatos que haviam acontecidos durante a minha permanência naquele edifício sombrio. Tudo que eu mais queria era sair daquele lugar e correr para bem longe dalí, para qualquer ponto da cidade! Qualquer lugar era melhor e mais seguro do que aquele edifício. E foi o que eu fiz, eu corri o mais rápido que pude para bem longe daquele lugar macabro. E ainda me lembro, que ao dar uma última olhada para o prédio, eu pude ver que a disposição das janelas e o formato das rachaduras formavam a silhueta do rosto de uma velha. E ela sorria.
Hudson Carvalho

O assasinato de Luana





Naquela noite tudo estava indo exatamente como planejado. Luana jantaria em minha casa, nós conversaríamos bastante, veríamos um bom filme juntos e depois eu a pediria em casamento. Era a minha grande noite, nada podia dar errado. Eu estava com o texto memorizado em minha cabeça e não via a hora de citar o meu poema preferido para ela e lhe entregar a aliança. Ahh, aquela linda e brilhante aliança que custou os olhos da cara! Não me arrependia de tê-la comprado pois sabia que Luana valia a pena. Depois de ter comprado aquela fantástica aliança eu só conseguia pensar no ilustre momento em que ela receberia esse símbolo perfeito de meu amor por ela.

Eu me lembro de pegar um copo de coca-cola gelada e ir para a varanda observar a rua em que ela chegaria. Meu apartamento ficava no 7º andar, então eu tinha uma visão privilegiada do bairro. Luana morava a alguns quarteirões do meu e, da minha sacada, eu quase via o portão de sua casa. Com a coca-cola na mão e a ansiedade no peito eu comecei a criar em minha mente imaginativa as formas com que ela poderia aparecer. Qual vestido estaria usando naquela noite ? Como estariam seus lindos e negros cabelos escorridos ? Como seria seu sorriso ao me ver ?

Pois bem, caros leitores, ela apareceu. E não foi como eu estava imaginando e nem foi como eu esperava. O pior sentimento da minha vida tomou conta de meu corpo, era uma raiva misturada com tristeza, algo indescritivelmente aterrorizante. Luana estava beijando outro rapaz no portão de uma casa velha. Por que sela estava fazendo isso ? Ela sabia muito bem que eu podia vê-la de onde eu estava! Ela queria que eu visse tal cena e que tal sentimento se apoderasse de meu pobre peito, que naquele momento não mais respirava, mas era respirado! Sim, caros leitores, eu estava sendo respirado. Estava sendo respirado por meu sentimento, e daquele momento em diante eu nunca mais consegui me livrar dele. Era algo que sugava as minhas lágrimas, era algo que trazia a tona todas as humilhações e situações constrangedoras que eu tinha passado em toda a minha vida. Era algo que se apossava por completo de meu olhar, transformando meus olhos em dois profundos e amedrontadores buracos negros. Buracos negros que refletiam, bem no fundo, a imagem de minha cara Luana e o garoto que ela estava beijando.

O vento ficou mais rude, e todas as folhas da grande árvore do prédio vizinho pareciam estar falando a mesma coisa. Sim, as folhas estavam rindo de mim, estavam zombando de minha inferioridade, estavam zombando da traição que eu pensei que nunca em minha vida eu fosse sofrer. Logo depois as nuvens começaram a se modelar vagarosamente, e conforme os lábios de Luana passavam pelos lábios do outro garoto, as nuvens se modelavam de forma a mostra-me a figura de um assassinato! Vários e vários desenhos seguidos, mostrando várias e várias formar de se matar um ser humano. Eu odiei os desenhos no princípio, mas conforme os segundo se passaram, eu me acostumei com a idéia e comecei a gostar do que via. Eram lindas mortes, uma melhor do que a outra, o difícil agora era ter que escolher apenas uma delas para ser aplicada em Luana. O que ela merecia ? Que tipo de morte uma traidora merecia sofrer por trair a confiança de seu namorado ? Facas ? Seringas ? Eram tantas opções! Eu não podia optar por nenhuma pois gostava de todas elas!

Alguns segundos se passaram e finalmente o beijo acabou, ela se despediu do rapaz e veio caminhando em direção ao meu prédio. Tratei de me esconder atrás da porta de vidro da minha sacada e de observar seus apressados e nervosos passos até a portaria. Pronto, dentro de exatos dois minutos ela estaria em minha frente e me beijaria como beijou o outro rapaz. Falsa! Eu devia mata-la instantaneamente ao vê-la! Mas se eu fizesse isso estaria abrindo mão das inúmeras formas divertidas de se matar um ser humano que eu havia visto nas nuvens. Não podia abrir mão disso, matar Luana de forma criativa era a única coisa que me deixava alegre naquele momento.

Bom, caros leitores, a campainha tocou e eu a atendi normalmente. Fingi não estar sabendo de nada e fui completamente carinhoso com ela. Levei-a até a sala e a deixei sentada no sofá me esperando. Fui até a cozinha escolher minha arma para começar o meu joguinho de vingança, mas eram tantas opções que eu estava completamente perdido. De repente, uma luz branca clareou minha visão e minha alma, eu havia finalmente encontrado a forma perfeita para cometer esse meu crime de vingança. Claro! Por que não havia pensado nisso antes! Tratei de me apoderar da garrafa de vinho que eu preparara para brindar o nosso casamento, fui até a sala e me deparei com Luana de costas. Não consegui esperar mais e, com um lindo sentimento de alívio no coração, quebrei a garrafa de vinho em sua cabeça. O líquido vermelho escorreu pelos seus maravilhosos cabelos negros. Não só o vinho mas o sangue também. O sangue e o vinho dançavam juntos e era impossível diferenciar um do outro, a sinfonia que tocava ao fundo dessa ilustre cena era, nada mais nada menos que, a nona sinfonia de Beethoven.

A queda de Luana no tapete branco da sala ao som da nona sinfonia aconteceu, em minha memória, em câmera lenta. Enquanto Luana caia rumo ao chão e os instrumentos começavam a tocar eu me recordava de todos os momentos tristes que passei com ela, todas a nossas brigas, todos os momentos em que senti ciúmes dela por alguma razão, todos os momentos que tive raiva dela e vontade de me separar de uma vez , todas as vezes que eu chorei por causa de alguma coisa que ela tivesse me feito. Todo esse peso que eu carregava durante todos esses anos foi sendo anulado conforme Luana se aproximava do tapete branco. Minhas tristezas e mágoas foram aparecendo e sendo destruídas logo em seguida. Eu estava sendo liberto de tudo que me aprisionava, eu estava descobrindo quem eu era e quem eu não gostaria de ser. Quando Luana finalmente caiu no tapete branco, a poça de sangue e vinho que a rodeava, manchando o tapete, formava uma espécie de seta apontando para a sacada do meu apartamento. Entendi que o meu crime estava se comunicando comigo. De alguma forma o próprio sangue de Luana queria que eu a jogasse do prédio para terminar o que eu havia começado em grande estilo. Não discuti, em um ato só eu peguei Luana nos braços e a levei até a sacada. Olhei durante alguns segundos dentro de seus olhos, que ainda conseguiam acompanhar os meus, e quis ter certeza de que ela estava vendo tudo aquilo e sentindo também. Ergui seu corpo para o alto e, num piscar de olhos, lancei todo aquele peso pra cima. Luana caiu, caiu e caiu. Quando finalmente atingiu o chão, seu corpo lindo foi divido em três e distintas partes encharcadas de sangue e carne.

Estava feito. Eu finalmente havia me libertado de tudo aquilo que aprisionava a minha alma. E quando me perguntam, na cadeia, se valeu a pena, eu respondo usando a seguinte afirmação.
“Não sei se valeu a pena, mas a sensação de ver a cabeça de Luana separada de seu tronco foi uma emoção que jamais vou esquecer em toda a minha vida. E não digo que foi bom, porque eu já não sei mais o que é bom ou ruim. Eu só sei que a minha alma teve sede, e eu dei de beber à ela.”
Hudson Carvalho