
Naquela noite tudo estava indo exatamente como planejado. Luana jantaria em minha casa, nós conversaríamos bastante, veríamos um bom filme juntos e depois eu a pediria em casamento. Era a minha grande noite, nada podia dar errado. Eu estava com o texto memorizado em minha cabeça e não via a hora de citar o meu poema preferido para ela e lhe entregar a aliança. Ahh, aquela linda e brilhante aliança que custou os olhos da cara! Não me arrependia de tê-la comprado pois sabia que Luana valia a pena. Depois de ter comprado aquela fantástica aliança eu só conseguia pensar no ilustre momento em que ela receberia esse símbolo perfeito de meu amor por ela.
Eu me lembro de pegar um copo de coca-cola gelada e ir para a varanda observar a rua em que ela chegaria. Meu apartamento ficava no 7º andar, então eu tinha uma visão privilegiada do bairro. Luana morava a alguns quarteirões do meu e, da minha sacada, eu quase via o portão de sua casa. Com a coca-cola na mão e a ansiedade no peito eu comecei a criar em minha mente imaginativa as formas com que ela poderia aparecer. Qual vestido estaria usando naquela noite ? Como estariam seus lindos e negros cabelos escorridos ? Como seria seu sorriso ao me ver ?
Pois bem, caros leitores, ela apareceu. E não foi como eu estava imaginando e nem foi como eu esperava. O pior sentimento da minha vida tomou conta de meu corpo, era uma raiva misturada com tristeza, algo indescritivelmente aterrorizante. Luana estava beijando outro rapaz no portão de uma casa velha. Por que sela estava fazendo isso ? Ela sabia muito bem que eu podia vê-la de onde eu estava! Ela queria que eu visse tal cena e que tal sentimento se apoderasse de meu pobre peito, que naquele momento não mais respirava, mas era respirado! Sim, caros leitores, eu estava sendo respirado. Estava sendo respirado por meu sentimento, e daquele momento em diante eu nunca mais consegui me livrar dele. Era algo que sugava as minhas lágrimas, era algo que trazia a tona todas as humilhações e situações constrangedoras que eu tinha passado em toda a minha vida. Era algo que se apossava por completo de meu olhar, transformando meus olhos em dois profundos e amedrontadores buracos negros. Buracos negros que refletiam, bem no fundo, a imagem de minha cara Luana e o garoto que ela estava beijando.
O vento ficou mais rude, e todas as folhas da grande árvore do prédio vizinho pareciam estar falando a mesma coisa. Sim, as folhas estavam rindo de mim, estavam zombando de minha inferioridade, estavam zombando da traição que eu pensei que nunca em minha vida eu fosse sofrer. Logo depois as nuvens começaram a se modelar vagarosamente, e conforme os lábios de Luana passavam pelos lábios do outro garoto, as nuvens se modelavam de forma a mostra-me a figura de um assassinato! Vários e vários desenhos seguidos, mostrando várias e várias formar de se matar um ser humano. Eu odiei os desenhos no princípio, mas conforme os segundo se passaram, eu me acostumei com a idéia e comecei a gostar do que via. Eram lindas mortes, uma melhor do que a outra, o difícil agora era ter que escolher apenas uma delas para ser aplicada em Luana. O que ela merecia ? Que tipo de morte uma traidora merecia sofrer por trair a confiança de seu namorado ? Facas ? Seringas ? Eram tantas opções! Eu não podia optar por nenhuma pois gostava de todas elas!
Alguns segundos se passaram e finalmente o beijo acabou, ela se despediu do rapaz e veio caminhando em direção ao meu prédio. Tratei de me esconder atrás da porta de vidro da minha sacada e de observar seus apressados e nervosos passos até a portaria. Pronto, dentro de exatos dois minutos ela estaria em minha frente e me beijaria como beijou o outro rapaz. Falsa! Eu devia mata-la instantaneamente ao vê-la! Mas se eu fizesse isso estaria abrindo mão das inúmeras formas divertidas de se matar um ser humano que eu havia visto nas nuvens. Não podia abrir mão disso, matar Luana de forma criativa era a única coisa que me deixava alegre naquele momento.
Bom, caros leitores, a campainha tocou e eu a atendi normalmente. Fingi não estar sabendo de nada e fui completamente carinhoso com ela. Levei-a até a sala e a deixei sentada no sofá me esperando. Fui até a cozinha escolher minha arma para começar o meu joguinho de vingança, mas eram tantas opções que eu estava completamente perdido. De repente, uma luz branca clareou minha visão e minha alma, eu havia finalmente encontrado a forma perfeita para cometer esse meu crime de vingança. Claro! Por que não havia pensado nisso antes! Tratei de me apoderar da garrafa de vinho que eu preparara para brindar o nosso casamento, fui até a sala e me deparei com Luana de costas. Não consegui esperar mais e, com um lindo sentimento de alívio no coração, quebrei a garrafa de vinho em sua cabeça. O líquido vermelho escorreu pelos seus maravilhosos cabelos negros. Não só o vinho mas o sangue também. O sangue e o vinho dançavam juntos e era impossível diferenciar um do outro, a sinfonia que tocava ao fundo dessa ilustre cena era, nada mais nada menos que, a nona sinfonia de Beethoven.
A queda de Luana no tapete branco da sala ao som da nona sinfonia aconteceu, em minha memória, em câmera lenta. Enquanto Luana caia rumo ao chão e os instrumentos começavam a tocar eu me recordava de todos os momentos tristes que passei com ela, todas a nossas brigas, todos os momentos em que senti ciúmes dela por alguma razão, todos os momentos que tive raiva dela e vontade de me separar de uma vez , todas as vezes que eu chorei por causa de alguma coisa que ela tivesse me feito. Todo esse peso que eu carregava durante todos esses anos foi sendo anulado conforme Luana se aproximava do tapete branco. Minhas tristezas e mágoas foram aparecendo e sendo destruídas logo em seguida. Eu estava sendo liberto de tudo que me aprisionava, eu estava descobrindo quem eu era e quem eu não gostaria de ser. Quando Luana finalmente caiu no tapete branco, a poça de sangue e vinho que a rodeava, manchando o tapete, formava uma espécie de seta apontando para a sacada do meu apartamento. Entendi que o meu crime estava se comunicando comigo. De alguma forma o próprio sangue de Luana queria que eu a jogasse do prédio para terminar o que eu havia começado em grande estilo. Não discuti, em um ato só eu peguei Luana nos braços e a levei até a sacada. Olhei durante alguns segundos dentro de seus olhos, que ainda conseguiam acompanhar os meus, e quis ter certeza de que ela estava vendo tudo aquilo e sentindo também. Ergui seu corpo para o alto e, num piscar de olhos, lancei todo aquele peso pra cima. Luana caiu, caiu e caiu. Quando finalmente atingiu o chão, seu corpo lindo foi divido em três e distintas partes encharcadas de sangue e carne.
Estava feito. Eu finalmente havia me libertado de tudo aquilo que aprisionava a minha alma. E quando me perguntam, na cadeia, se valeu a pena, eu respondo usando a seguinte afirmação.
“Não sei se valeu a pena, mas a sensação de ver a cabeça de Luana separada de seu tronco foi uma emoção que jamais vou esquecer em toda a minha vida. E não digo que foi bom, porque eu já não sei mais o que é bom ou ruim. Eu só sei que a minha alma teve sede, e eu dei de beber à ela.”
Hudson Carvalho
Nenhum comentário:
Postar um comentário